As origens da ideia
A primeira menção a uma História do Sporting aparece no Boletim do Sporting de 10 de Junho de 1926 escrito por Júlio de Araújo, que até recentemente tinha sido Presidente do Clube. Foi num artigo intitulado "Fundação do Sporting Clube de Portugal", que acabava com a menção "Do livro em preparação: História do S.C.P. - Subsídios para a História do Desporto em Portugal". Júlio de Araújo disse muitos anos depois que tinha sido Francisco Gavazzo quem lhe tinha pedido que escrevesse a história do Sporting dos primeiros tempos desde o Belas.
Efectivamente, esse livro nunca viu a luz do dia, apesar de Júlio de Araújo ter escrito quando já no Brasil, e editado em exemplar único que ofereceu à Associação de Futebol de Lisboa, o livro "Meio século de futebol: Subsídios para a história do futebol em Portugal, Júlio de Araújo, ed. independente, 1938", no qual o Sporting é abundantemente referido, mas não mais que outros clubes com a mesma importância no futebol nacional, e quase só nos aspectos referentes ao futebol.
O reacender da ideia
Com o passar dos anos, os intérpretes da história do Sporting começaram a sucumbir à lei da vida, e a questão de escrever uma história do Clube, que preservasse a memória para além do tempo de vida dos intervenientes, voltou a ganhar relevo. Foi assim que foi publicado oficialmente pelo Sporting o livro "50 anos ao Serviço do Desporto e da Pátria", para comemorar o Cinquentenário em 1956.
O livro tinha 114 páginas, para além de 16 páginas apenas com fotografias. Para além de textos que resumiam os 50 anos de actividade não apenas desportiva, mas também da vida do Clube, incluindo os seus presidentes, filiais, estádios, tinha ainda listagens extensas com os atletas olímpicos, internacionais, recordistas, e com os títulos conquistados até então.
No entanto, o livro dizia no prefácio, assinado pelo presidente Góis Mota: "Não ides ler a História do Sporting Clube de Portugal. As páginas deste livro são meros apontamentos a constituírem precioso material a aproveitar numa obra monumental que um dia se escreverá.". Era assim claro que a ideia de escrever a História do Sporting estava lançada, e também que teria que ser uma obra monumental, dada a extensão e a grandeza do Clube.
A Comissão para a História do Sporting
Nada se passou até 1961, quando Júlio de Araújo, então já com quase 70 anos de idade, escreveu ao Jornal Sporting dizendo que tinha intenção de acabar a obra começado há quase quatro décadas atrás. O seu projecto compreendia capítulos completos, incompletos, e alguns atribuídos a colaboradores diversos.
Em qualquer dos casos, seria, não uma obra feita e acabada, mas sim o seu início, reunindo uma imensidão de factos e acontecimentos. Era necessário concluir a obra, para o que se formou uma Comissão para a História do Sporting. Dois anos depois, na posse dos novos corpos gerentes do Sporting presididos por Joel Pascoal, estiveram presentes muitos dos sócios que se prontificaram a ajudar Júlio de Araújo, entre os quais o próprio Comodoro Joel Pascoal, o Juiz Manuel de Oliveira, e o antigo presidente e ilustre médico Salazar Carreira.
História e Vida do Sporting Clube de Portugal
Depois de alguns anos sem mais notícias, o Jornal Sporting de 1 de Setembro de 1967 anuncia que a Comissão Directiva de Brás Medeiros promovia e patrocinava a realização da obra monumental "História e Vida do Sporting Clube de Portugal". O formato estava já definido, seriam trinta fascículos, dos quais dez sobre a história, e vinte sobre a vida do Clube, com trinta e duas páginas cada, profusamente ilustradas.
A realização foi confiada a uma entidade formada para o efeito, o Centro de Estudos e Realizações Culturais, o qual garantiu a cooperação da Editorial Poético, e acima de tudo a colaboração da Direcção do Clube, de todas as suas Secções desportivas, e de todos os seus Departamentos administrativos e culturais.
Claramente, era uma obra desejada e patrocinada pelas mais altas esferas do Sporting, que queriam ter, finalmente, uma História monumental que traduzisse a grandeza e o prestígio que o Clube tinha alcançado em 61 anos de história. A Comissão acessora para a elaboração da obra era constituída por Jorge Vieira, Carlos Queiroga Tavares, José Manuel Salema, e Carlos Correia. Jorge Almasqué coordenou por parte da Direcção do Sporting. Salazar Carreira, Júlio de Araújo¸ Jorge Leitão, e Francisco Gavazzo colaboraram com os seus espólios e conhecimentos.
Eduardo de Azevedo
A realização da obra foi entregue ao arquitecto Júlio Gil, que se encarregou da componente gráfica, e ao escritor Eduardo de Azevedo, que foi escolhido para, com base no material reunido, escrever o livro. Eduardo de Azevedo era um escritor conhecido, já com uma extensa obra publicada, e para mais era sportinguista.
O seu trabalho beneficiou da entrega por Júlio de Araújo dos seus elementos elaborados ao longo de décadas, bem como da entrega de espólios de grandes figuras do Sporting como Francisco Gavazzo, António José Cerqueira, e mesmo de José Alvalade, entregue pelos seus familiares. O livro beneficiou ainda com a cedência por parte dos antigos fotógrafos Nunes de Almeida, José Monteiro Pereira, C. Madeira e Manique de numerosas fotos.
No entanto, Eduardo de Azevedo escreveu, no seu estilo inconfundível, uma obra surpreendente. Na apresentação aos sócios e à imprensa, a 30 de Outubro de 1967 na sede do Clube, Salazar Carreira declarou: "Não posso deixar de revelar o espanto de que me senti possuído ao analisar a amplitude do trabalho produzido pelo escritor Eduardo de Azevedo e arquitecto Júlio Gil, que nunca supus pudesse ser tão cuidadosa e tão verdadeira a narração dos factos que constituem a vida do nosso Clube, apresentados fidedignamente, sem qualquer espécie de dúvida. Trabalho moroso, cansativo, de pesquisas e consultas, o autor terá ocasião de revelar o que foram essas horas, em muitas dezenas de dias, desde os primeiros actos para a materialização dum trabalho que ficará para os vindouros, para as gerações futuras que hão-de seguir-se na posterioridade, e que por isso mesmo tem de ser legado com a verdadeira consciência de tudo quanto tem constituído a biografia do Sporting.".
Eduardo de Azevedo disse então "Sinto-me orgulhoso por mim e pelos meus colaboradores, mais todavia pelo Sporting, pois encontrei sempre a ideia de que a história e sua materialização seria um facto. O sportinguismo é um fenómeno que resulta de factos. O ideal, outra coisa abstracta apoiada também por factos. Sempre com factos.".
Publicação e recepção do livro
O livro, que finalmente seriam três volumes com 320 páginas cada, foi publicado inicialmente ao ritmo de um fascículo por mês. A recepção por parte do público sportinguista foi entusiástica, mas sofreu muito com o preço altíssimo para a época: 25 escudos por fascículo, ou 630 escudos comprando a obra completa. Isto era um valor altíssimo para a época, justificado pelo luxo da edição, com capa em relevo debruada a ouro, que tinha de vir da Alemanha, e que era paga à parte: 500 escudos pela capa de luxo e 170 pela capa normal, o que continuava a ser incomportável para muitas pessoas.
Assim, apesar de Eduardo de Azevedo nada ter querido receber pelo seu trabalho, nem direitos de autor, visto considerar que a História pertencia ao Sporting, as vendas ressentiram-se. O Jornal Sporting de 14 de Junho de 1968 referia-se à "débil adesão de assinantes", ligando-a à desastrosa carreira do futebol nessa época, mas que em qualquer dos casos colocava em causa a viabilidade financeira da obra.
Em Fevereiro de 1970, ao ser publicado o 20º fascículo, eram referidos atrasos na distribuição por parte do Centro de Estudos e Realizações Culturais. No entanto, os três volumes do livro acabaram por ser publicados na íntegra, cumprindo assim o sonho primeiro idealizado por Júlio de Araújo nos anos 1920, continuado por ilustres sportinguistas, e realizado por Eduardo de Azevedo.
Homenagem
Em Maio de 1995, finalmente o Sporting homenageou o escritor Eduardo de Azevedo, que disse então: "Devo à Direcção de Sousa Cintra a satisfação de ver reconhecido o meu trabalho que contou com muitas horas de investigação e de estudo do espólio de consagrados sportinguistas. O Sporting é o único clube que tem a sua história passada ao livro, porque os outros têm anedotários."
Bruno Miguel Azevedo Carvalho, que viria a ser Presidente do Sporting e na altura o sócio nº 39504, e neto de Eduardo de Azevedo, disse então "Estou muito feliz com esta prova de gratidão do Sporting. Sinto um amor muito grande pelo meu avô e pelo Sporting. A sua obra prova a grandeza do nosso Clube."
No Jornal Sporting de 31 de Janeiro de 1995, Eduardo de Azevedo referia que a História e Vida do Sporting Clube de Portugal deveria ser reeditada, mas numa edição menos luxuosa que a original. Efectivamente, em 1995 a obra já estava esgota e inacessível há décadas. As suas palavras então foram: "Na minha opinião, devia fazer-se uma edição popular, num papel bom sem ser couché, portanto, com um preço mais acessível, e, tal como a primeira, profusamente ilustrada."
Em 2005, por altura do início das comemorações do Centenário do Sporting, Bruno de Carvalho criou o site "Centenário Sporting", o qual incluía o livro "História e Vida do Sporting Clube de Portugal" quase na íntegra, acessível livremente. Dez anos depois, em 2015, o site deixou de estar on-line, ficando o livro disponível para os poucos afortunados que têm acesso a uma cópia física do livro.
Crítica contemporânea
Quase 50 anos depois do início da publicação, em 2015 a obra "História e Vida do Sporting Clube de Portugal" continua a ser o melhor e maior livro sobre a história do Sporting, com menos erros e mais rigoroso, baseado em fontes primárias e não em escritos anteriores. Tem a virtude de ter sido feito por elementos directamente envolvidos com a história do Clube, e com a total colaboração dos seus órgãos directivos.
Passaram, no entanto, muitas décadas desde a sua realização, e portanto o próprio livro é agora parte da história do Sporting.